O jogos dos influenciadores

A ascensão de influenciadores mostra a capacidade desse novo ecossistema na projeção de personagens globais, seja na posição de streamer (jogadores que transmitem seus jogos ao vivo), pró-players (jogadores profissionais que disputam competições oficiais) ou apenas criadores de conteúdo sobre games

Por Amanda Schnaider e Renato Rogenski

Em 6 de março, milhares de torcedores se espremiam no Estádio Parque dos Príncipes, em Paris, para acompanhar a partida de futebol entre Paris Saint-Germain e Manchester United, que valia a classificação para a próxima fase da Uefa Champions League. Enquanto isso, nas arquibancadas, os holofotes estavam em Neymar que, fora de combate por lesão, tietava o streamer Tyler Blevins, estrela do jogo Fortnite. Quem se surpreendeu com a cena provavelmente não sabia que o atacante brasileiro do PSG é só mais um fã entre os milhões que Ninja, como é conhecido, tem pelo mundo. Atualmente, ele tem 22,4 milhões de inscritos em seu canal no YouTube e mais de 2,4 milhões de seguidores na plataforma de streaming Mixer, da Microsoft, onde está desde agosto.

Muitos além do universo dos games, o poder de influência de Ninja já extrapolou a barreira dos consoles, PCs e smartphones, colocando seu rosto em programas de TV e publicidades de marcas de vários segmentos. Aos 28 anos, fatura até US$ 500 mil mensais jogando. A ascensão de figuras como Ninja mostra a capacidade desse novo ecossistema na projeção de personagens globais, seja na posição de streamer (jogadores que transmitem seus jogos ao vivo), pró-players (jogadores profissionais que disputam competições oficiais) ou apenas criadores de conteúdo sobre games.

Ninja na final do Mundial de Fortnite 2019: streamer é um dos mais bem pagos do mundo

No Brasil, nomes como Pedro Afonso (Rezende), Marco Túlio (Authentic Games), Pac e Mike (Tazercraft), Leon e Nice (Coisa de Nerd), Bibi Tatto e Malena se tornaram conhecidos também fora dos limites do público que acompanha o universo gamer. Além dessa popularidade, o aumento da audiência fez com que esse influenciador se relacionasse profissionalmente também com as plataformas de streaming como Twitch, Mixer, Facebook Gaming e YouTube Gaming; as marcas, que querem incorporar os atributos dos jogadores em suas ações; e a imprensa, que passou a demandar entrevistas e a participações dos influenciadores nos mais diversos formatos.

Explosão midiática

Como aconteceu com outras indústrias, a explosão do meio digital potencializou a produção, distribuição e repercussão de conteúdo sobre games, assim como ajudou a popularizar a experiência de jogos online. A democratização dos smartphones acelerou o processo ainda mais. Começaram então a surgir os influenciadores do segmento, divididos, basicamente, em três atividades: os criadores de conteúdo, os streamers e os jogadores profissionais.

Antes mesmo do boom dos e-sports e do surgimento das plataformas de streaming, os vídeos com conteúdo de games já começavam conquistar audiência, como lembra Fernanda Domingues, CEO da FD Comunicação, assessoria especializada no universo gamer. “Tudo começou com os influenciadores que têm canal no YouTube. Há pelo menos dez anos eles têm jogado, analisado ou opinado sobre os games. Os mais sérios funcionam como críticos, apontando os prós e contras dos jogos. Outros levantam as histórias dos games, seus criadores, misturam com curiosidades nerds e levam conhecimento aos fãs. Por fim, há aqueles que simplesmente jogam e mostram alguns passos que muitas vezes ajudam o expectador a evoluir no jogo”, explica.

Shows do canal Authentic Games, criado por Marco Tulio, foram assistidos por mais de 400 mil pessoas

 

Mas há exceções. Marco Tulio lançou em 2011 o canal Authentic Games, que atualmente conta com 17,7 milhões de inscritos no YouTube. Com base no universo de Minecraft, ele usa a plataforma para desenvolver histórias e aventuras. “Muita gente acha que, por ser um gamer, faço vídeos ensinando a jogar. Não é isso. É quase como um desenho animado que se passa dentro de um jogo. E as crianças assistem ao canal como entretenimento mesmo”, afirma. Apesar de ter o canal na plataforma de vídeos do Google como hub para tudo que faz, Marco não se considera só um youtuber, mas um artista. Além de 300 produtos licenciados no mercado, a empresa Authentic Games tem uma escola de programação em Belo Horizonte com mais de mil alunos e um show que já levou mais de 400 mil pessoas aos teatros.

Gustavo Sanches, ou Davy Jones, criador do canal Gameplayrj (7,79 milhões de inscritos), também vê sua atuação para além do simples streaming. Antes mesmo de criar conteúdo de forma mais profissional, o influenciador já via oportunidades de negócio. Ele trabalhou na área comercial da Ipiranga de 2011 a 2012 quando ganhou um concurso de criadores de conteúdo do YouTube, o NextUp, e com o dinheiro do prêmio, começou a investir em seu canal. “Meu conteúdo sempre foi de entretenimento e com o passar dos anos fui evoluindo. Hoje faço vlog sobre notícias de videogame e lives por meio de uma parceria com o Facebook”, explica.

As plataformas de transmissão de jogos ganharam força nos últimos cinco anos após perceberem que as lives tinham público e potencial, atraindo muito investimento de grandes empresas de tecnologia. Entre as principais estão Twitch, da Amazon; Mixer, da Microsoft; Facebook Gaming e YouTube Gaming. Nos próximos meses, estão previstos os lançamentos de Stadia, do Google; e Arcade, da Apple. De acordo com o ­Facebook, todos os meses mais de 700 milhões de pessoas jogam, assistem ou interagem com grupos na plataforma da companhia. Além disso, a consultoria NewZoo revelou que em julho deste ano, a Twitch, da Amazon, e o YouTube tiveram quase 600 milhões de horas de partidas assistidas ao vivo, sendo 152,1 milhões de horas no YouTube e 434,4  milhões na Twitch.

De olho nessa audiência crescente e com objetivo de rentabilizar ainda mais o seu trabalho, tanto os jogadores profissionais quanto os influenciadores começaram a investir mais nas live streams. “Quando eu abri minha primeira stream estava no final do curso de publicidade e já via um potencial de mercado para o formato, mesmo quando ainda pouca gente me assistia. As coisas foram evoluindo e consegui um contrato mais estável, quando pude pedir demissão da agência para me dedicar à carreira de streamer”, conta Bianca Lula, a Thaiga, da paiN Gaming, equipe brasileira de esportes eletrônicos criada em 2010.

Seja ao vivo, com vídeos no YouTube ou em partidas oficiais, os influenciadores desse universo conseguem estabelecer um elo poderoso com o público que os assistem. “Essa conexão que sinto com eles é muito real”, revela a youtuber Camila Silveira, mais conhecida como Camilota XP, que também é atriz, streamer e apresentadora do Circuito Desafiante, porta de entrada para o Campeonato Brasileiro de League of Legends (CBLoL).

Além dos criadores de conteúdo e streamers, uma nova figura de influência tem conquistado público e ganhado o holofote das mídias e marcas: o jogador profissional. As competições de e-sports — mercado que deve movimentar uma receita de mais de US$ 1 bilhão em 2019, segundo a Newzoo — foram os principais impulsionadores desses influencers. “Eles fazem parte de uma equipe, jogam um jogo, têm salários, treinam diariamente, têm apoio psicológico, nutricionista, atividade física e participam de campeonatos oficiais, além de ganhar prêmios quando vencem. Como jogadores de futebol, eles também têm passe”, explica Fernanda Domingues. Para a youtuber e streamer Malena Riskevich Nunes (5,86 milhões de inscritos no YouTube), pró-players têm uma vantagem em relação a outros influenciadores, já que podem ser comparados aos esportistas tradicionais, o que facilita o entendimento por parte de patrocinadores. “Para jogar videogame também é necessário treino, dedicação e muita habilidade. Logo, quem joga é, de fato, um atleta”, pontua.

Profissionalização

Com a necessidade de se relacionar com tantas partes diferentes, alguns influenciadores começaram a se organizar e montar equipes de apoio. Ao mesmo tempo, surgiram empresas focadas em dar suporte para a carreiras dos gamers, seja no trabalho de agenciamento, na assessoria de comunicação ou numa mistura de ambas. “O trabalho dos criadores de conteúdo é árduo e requer muita dedicação, além de demandar gestão como toda grande empresa”, afirma Marco Tulio.

Na esteira deste processo, há operações como a Go4it, empresa que investe em games e esportes e que atua no modelo de venture builder, construindo startups com recurso próprios. Um de seus principais projetos é a plataforma Final Level que, com um pouco mais de um ano de lançamento, já reúne mais de 3,5 milhões de inscritos no YouTube e mais de 1,7 milhão de seguidores no Instagram. Seus conteúdos são produzidos por influenciadores a partir da Gameland, uma mansão no Rio de Janeiro que funciona também como um estúdio, onde os gamers trabalham e moram.

Fernanda Lobão, na Gameland: mansão abriga influenciadores para gerar conteúdo

“No começo, o projeto tinha uma mentalidade de TV e passamos a exigir um profissionalismo que muitos dos influenciadores não estavam acostumados”, explica Fernanda Lobão, CEO da Final Level. “Eles trabalhavam sozinhos, em seus quartos, fazendo conteúdo com tudo da cabeça deles. É um modelo disruptivo com aprendizado dos dois lados. Da nossa parte, tivemos que largar um pouco a mão do preciosismo do que seria uma produção nos moldes mais próximos de um canal de TV e dar mais liberdade de criação.” Para a executiva, o ponto principal para as empresas que se relacionam com esses influenciadores é ter empatia. A Final Level também é um hub de cocriação de projetos especiais para marcas como Oi, Smart Fit e iFood.

Influenciadores e outros especialistas em games acreditam que muitas marcas e agências ainda não entenderam as particularidades desse universo e suas possibilidades. Segundo Marco Tulio, grande parte do mercado não percebeu que o mundo dos criadores de conteúdo não pode ser usado apenas como um novo veículo de mídia para exibir a mesma campanha que se faz no offline. “Os influenciadores já têm personalidade, modo próprio de falar, sabem como e o que precisam fazer para que a mensagem chegue ao seu público”, avalia.

Em muitos casos, a profundidade estratégica dá lugar a ações pontuais com poucas chances de construir algo que realmente consiga aproveitar o potencial do influenciador. Thaiga, da paiN Gaming, diz que as marcas costumam ter abordagens superficiais, querendo saber o preço de um Story ou um de post no Instagram, por exemplo. “Se uma marca quer entrar com um produtor de conteúdo que tem esse nível de intimidade que o mundo gamer tem, é muito mais legal fazer uma ação e gerar uma ligação real”, reforça.

“O trabalho dos criadores de conteúdo é árduo e requer muita dedicação, além de demandar gestão como toda grande empresa” – Marco TulioNinja

Da mesma forma que algumas marcas ainda não entenderam como se inserir neste novo contexto, muitos influenciadores não entenderam a dimensão de seu papel e de que forma catalisar positivamente, por meio de uma gestão profissional de sua carreira. É para preencher esse gap que Fernanda Domingues fundou a FD Comunicação, empresa de PR, mídias sociais e consultoria especializada em games e e-sports. Em 20 anos de atuação a agência colaborou no lançamento de mais de mil jogos no Brasil, segundo a executiva, atendendo a publishers como Riot, Valve, Capcom e Bandai Namco. Atualmente trabalha para marcas como Bethesda, Niantic (Pokémon:GO e Harry Potter) e Oasis Games, além do influenciador Zangado. Esse portfólio é conquistado graças a um olhar estratégico que nem sempre está entre as prioridades do influencer. “O importante é olhar o engajamento, o tipo de jogo que o influenciador publica e os dados da audiência por idade, classe social e até mesmo localização geográfica”, sugere Fernanda Domingues.

Game original

O terceiro episódio da série Jornada Gamer, publicado no canal Meio & Mensagem no YouTube, mostra como os produtores de conteúdo do universo dos games trabalham numa linguagem própria para engajar consumidores, desenvolvendo estratégias e ações de marcas.

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