Força criativa

Holdings globais investem na criação de unidades de negócios para desenvolver melhor as áreas de games

Thais Monteiro

Nas agências, o movimento para desenvolver melhor as áreas de games tem escala global. O Publicis Groupe tem uma unidade de negócios especializada em games no Reino Unido chamada Publicis Play. No Reino Unido e na Irlanda, a Dentsu também lançou uma divisão especializada chamada DGame. A Cheil importou para o Brasil a unidade Cheil Gaming. Douglas Santos, head of gaming da agência, conta que foi um movimento natural, tendo em vista que a Cheil já nasceu no setor de tecnologia, quando servia internamente a Samsung. “Eles conseguiram enxergar bem e ver como o mercado de games estava ganhando relevância”, diz. Sobre a maior incidência de hubs criados especificamente para games, Douglas acredita que isso se dá pelo estilo de vida acoplado ao jogar videogame, que estabelece parâmetros muito amplos de diálogo. Segundo ele, são mais formas de interagir, tipos de comportamento (de casual a competitivo), o tipo de jogo, e outras características. “É tão amplo que li em uma matéria que o termo ‘gamer’ em breve vai desaparecer, já que não vai existir ‘o gamer’ pois quase todos jogam”, afirma. O trabalho na unidade envolve mídia, criação, BI e os próprios clientes cocriando, pois é melhor quando todas as partes compreendem o cenário.

Ainda se familiarizando com o território e clientes brasileiros está a DDB FTW (For The Win), primeira rede global de agências do Grupo ABC especializada em eSports e gaming fundada em Praga, mas que anunciou sua chegada ao Brasil em abril deste ano. Durante esses cinco meses em atividade, o escritório tem recebido briefings de clientes brasileiros, mas também esteve trabalhando em cases internacionais. Os primeiros trabalhos para o Brasil serão lançados nos próximos meses, adianta Pipo Calazans, CEO da DDB FTW no Brasil. A DDB FTW já criou o game Whatever Doors para o McDonald’s, em que gamers tinham que desvendar um código para ganhar um voucher de McDelivery; e fez campanhas para o lançamento dos jogos Fifa 21 (EA Sports), Watchdogs Legion (Ubisoft) e para o Playstation 5.

DDB FTW fez campanhas para o lançamento dos jogos Fifa 21,da EA Sports (crédito: reprodução)

Para o executivo, a necessidade de uma área dedicada a games surge a partir do entendimento de que já ocorreu uma consolidação da audiência desse tipo de entretenimento, com diversas comunidades potentes e engajadas. Porém, afirma, essa mudança não é comparada ao momento em que as agências decidiram abrir áreas dedicadas ao digital: “Não se trata do início de uma nova mídia. Se trata de uma fronteira da comunicação. As agências da forma que elas estão constituídas não conseguem unir as pontas do anunciante e games. Do lado das marcas, tem pessoas super reticentes porque elas têm que se comunicar de maneira fluida para não realizar ações forçadas. Se a marca entrar errado, ferrou. Tem que fazer patrocínio e criar time, assim como precisamos criar agências e áreas dedicadas a esse formato”, argumenta. Para Calazans, assim como existem as agências digital-first, é possível que se inicie um movimento parecido com os games, com especialistas no segmento.

Nos meses de operação, o CEO percebeu marcas sedentas e pedindo ajuda para se conectar ao universo dos games sem saber como entrar na conversa. Fora do País, Calazans percebe avanço na relação com a comunidade e no mercado e projetos de níveis mais elaborados. O modus operandi da DDB FTW será em cocriação com clientes, publishers e demais players envolvidos nos projetos. “Quando a gente fala de um ecossistema estamos falando de coisas muito complexas. Quanto mais diversidade e stakeholders, mais significado vai ter esse projeto. A chance de aumentar o engajamento é enorme. Se relacionar é criar engajamento. O KPI é a relação”, explica.

Ação para a Brahma no GTA, que contou com a participação de mais de 30 influenciadores (crédito: reprodução)

Novos enredos
Conforme Douglas, da Cheil, a presença de marcas nos games, na verdade, é antiga — tem mais de 20 anos —, principalmente nos modelos de outdoor em um jogo ou marcas que tinham jogos próprios na web. Nos últimos anos, ocorreu uma evolução exponencial e os anunciantes passaram a criar uma estratégia mais constante e delimitar a forma como se envolver nos games.

No caso da Unilever, os cases citados pelas executivas como mais relevantes são os que envolvem Clear e OMO, mas as demais marcas da empresa, como Rexona, Ben & Jerry’s e Axe já tiveram participação no segmento. Para a ação de Clear, que tem uma conexão com esporte e performance, a marca alertou que um jogador profissional de eSports poderia perder segundos preciosos ao coçar a cabeça por conta de uma caspa em lives com os streamers Yoda e Zigueira. A marca também patrocinou o time Furia e é parceira do jogador Gabriel Fallen. Em 2020, Clear também realizou um desafio que envolveu batalha de rap e disputas digitais entre gamers para apresentar o Clear Shampoo. Já com Omo, a empresa realizou uma campanha para OMO Proteção Anti-Odor (na época, OMO Sports) exaltando a torcida de games que sua a camisa mesmo este não sendo um esporte físico. Também com OMO, a empresa patrocinou times e campeonatos. “Não adianta tentar replicar formatos já consagrados para a TV ou até mesmo para o digital. É preciso entender que se trata de um público muito mais exigente, apaixonado, criterioso e engajado, que não quer ter seu espaço invadido por quem não se preocupa em criar conexões genuínas”, afirma Maria Fernanda Paba, media manager e líder de inovação em mídia da Unilever.

Apesar das ativações como promoções e patrocínios ainda serem comuns, o mercado avança em outra direção mais correlacionada com os jogos. Trata-se das campanhas in-gaming (anúncios em espaços publicitários nos jogos) e de enredo (em que uma marca propõe uma atividade relacionada e inserida no jogo em questão). Essa é uma aposta do Itaú: “Estamos olhando para entrar de forma legal no jogo e na mídia tradicional do advertising in-gaming”, diz Robson Harada, superintendente de growth marketing do Itaú Unibanco.

Para a Ubisoft, games já são mainstream e têm espaço para marcas que não sejam invasivas (crédito: reprodução)

Já a PMP.BID é uma empresa que realiza venda programática de espaços publicitários em games, mas também trabalha com projetos especiais. A plataforma foi lançada em 2020, mas vem sendo trabalhada há alguns anos em decorrência de uma demanda do mercado. De acordo com Cynthya Rodrigues, business development director da PMP.BID, o mercado costuma pensar que tais formatos são complicados de desenvolver e que a campanha deve demorar para ir ao ar, mas, na verdade, são formatos de display tradicionais que vão ao ar rapidamente e a maioria dos jogos já tem espaços publicitários disponíveis.

“Priorizamos que seja o mais imersivo possível, porque nenhum gamer e ninguém gosta de ser interrompido fora de contexto. Com o anúncio in-gaming, a campanha está dentro do cenário, como ocorre no dia a dia, e isso é visto como algo positivo. Em corridas ou em jogos de futebol, por exemplo, sempre vemos os banners dos anunciantes. Por que não teria o mesmo em um game dos mesmos esportes?”, questiona. A programática também facilita o acesso a métricas, como viewability, e segmentação por jogo, device e dados da conta de usuários de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Já a estratégia que coloca a marca no enredo do jogo tem sido frequentemente explorada pela Cheil. Para Havaianas, a agência criou um mapa no game Fortnite, da Epic Games, para promover a nova coleção da marca com licenciamento do jogo. O mapa Ilha de Verão Havaianas tinha formato de chinelo e era separado em três áreas que refletem as características dos países em que os modelos foram lançados. Os usuários podiam acessar o mapa e realizar ações nele. Para Brahma, a Cheil criou uma narrativa no game GTA em que havia acabado as cervejas nos bares da Cidade Alta, espaço no GTA em que ocorreu a ação. A marca criou um bar Brahma e reuniu mais de 30 influenciadores em uma festa que foi transmitida por streamers na Twitch e Facebook. A ação fez parte do lançamento da long neck Duplo Malte. Os jogadores podiam ajudar a distribuir cervejas nos bares e ganhar pontos. Outras marcas, como Ruffles e Fanta fizeram ações semelhantes, ao criar mapas de pontos turísticos, realizar shows e demais ambientes interativos no Fortnite.

De acordo com Santos, a principal motivação por trás dessas ações é contar uma história sobre a marca, ligada ao branding. O trabalho é feito em cocriação, inclusive com influenciadores gamers, para o projeto não resultar em algo “cringe”, diz o head. A agência diz que é possível verificar o número de vendas de determinado produto, engajamento em social, audiência do conteúdo gerado e quantas pessoas interagiram com a criação da marca no jogo. “A narrativa acaba fazendo mais sentido dentro do que o jogo se propõe a ser. É quase como nos filmes. Antigamente, a presença de product placement era mais escrachada. Hoje, ela é muito mais contextual”, indica.

Para Pipo Calazans, 2022 deve marcar uma nova fase para projetos entre marcas e games, pois a pandemia atrasou muitas das ações ou investimentos programados em detrimento do olhar voltado às urgências e economias do presente. Ao mesmo tempo, o consumo foi aumentando e o interesse das marcas será atualizado. Ainda assim, conforme Cynthya Rodrigues, é necessário que os games deixem de ser verba extra para ocupar espaços mais prioritários. “Eu espero e tenho certeza de que vai ser cada vez mais natural colocar games no plano de mídia. Games, hoje, estão como verba extra, de teste ou inovação, mas em pouco tempo, menos de cinco anos, a publicidade dentro dos jogos vai ser tão comum como em qualquer outra mídia”, prevê.

 

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